A última edição da Mostra Quimerama ocorreu em 2019. O desejo de uma nova edição, mesmo diante da pandemia, nos levou a formatar a terceira edição num evento 100% virtual. O sucesso técnico na provisão deste serviço de mostra online, para uma outra organização em 2020, nos deixou confiantes que funcionaria plenamente com a Mostra Quimerama. Essa edição recebeu 51 inscrições, das quais 37 se classificaram dentro das regras do edital. Nenhum filme fora das regras foi excluído. Suportaríamos sem dificuldades até 60 filmes na plataforma.
Como representar o fantástico, o mítico, o aterrorizante em um período onde a nossa própria realidade se confunde a uma distopia pós-apocalíptica, beirando uma catástrofe climática enquanto passamos pela maior crise sanitária da nossa geração, ao mesmo tempo em que vivemos num país governado pelo medo, o terror às instituições e também causado por elas, um retorno às trevas de outrora, eventos que custamos a acreditar que não passam de um surrealismo quimérico, mas que se provam inevitavelmente reais? Mas não é exatamente quando tudo parece perdido, quando a esperança quase se extingue, quando o abismo se projeta sob nossos pés, que somos absorvidos pela imaginação, pelos sonhos, pelo infinito?
E é nesse aparente último suspiro que a produção audiovisual nordestina independente toma fôlego e se mostra mais uma vez pulsante, se utilizando de sua extraordinária mitologia folclórica, mas também ultrapassando-a, chegando aos confins do universo, passando pelos ardores infernais e sim, também pela terrível realidade. A variedade de gêneros e subgêneros que compõem a seleção feita por esta curadoria é patente em demonstrar a energia desta produção. São filmes que abordam desde o fatídico confinamento em que fomos obrigados a nos manter, até a precariedade nas condições de trabalho, passando por seres que habitam nosso imaginário tradicional, até a fabulação de um futuro que retorna ao passado.
Mas no passado, além de trevas e retrocesso, há também a experiência, e foi buscando o que já aprendemos que pareceu-nos pertinente o retorno ao cinema guerreiro e provocador do baiano Gláuber Rocha, que colhe na riqueza da cultura brasileira, e sobretudo nordestina, o provimento que alimenta as mentes de quem o saboreia. Aprender. Refletir. Renovar. O cinema brasileiro é, antes de tudo, surpreendente. Ferino, revoltoso, brutal, mas também fascinante, magnífico, e ao mesmo tempo delicado e emotivo. Nosso idioma é o contraste, ele está na nossa História, entranhado na nossa cultura, na nossa língua e, claro, no nosso imaginário.
Fazer este cinema no Brasil é confrontar.
Curadoria: Elvio Franklin e Raphael Mirai.